sexta-feira, julho 23

Jamais deixaria barato...

Eis que chego à Pizzaria Villa Italiana, onde me apresento às quartas-feiras, e passo por uma mesa de adolescentes...Antes de entrar no pequeno depósito para pegar um equipamento, ouço as frangas conversando:
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- Ai, Juliana, não começa...Não começa, Juliana....
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(Mão na testa com aquela cara de, "não quero nem ver"...)
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Aí, Juliana, que tem uns bons quilos a mais, diz em alto e bom som:
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- Tomara que hoje NÃO tenha música ao vivo!
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(Frangas rindo baixinho)
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Um pequeno recado para você, Ju:
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Nasci careca e pelado, cresci gordo, adolesci nerd, me formei na Estácio...Fui zoado a vida inteira. Quer me zoar também? Fique à vontade. Agora, TEM QUE SER PROFISSIONAL.
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(Continuando)
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Saio do depósito, depois de ter ouvido a frase "Tomara que hoje NÃO tenha música ao vivo" e digo, em altíssimo e ensurdecedor som:
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- Tomara que hoje NÃO tenha nenhuma ADOLESCENTE GORDA comendo pizza hoje.
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(...)
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Não sobrou pedra sobre pedra...

quarta-feira, julho 21

Com certeza, eu não devo ter entendido...

Estava ontem assistindo a uma entrevista na Globo News com o poetíssimo Ferreira Gullar. Entre muitas outras coisas, Gullar disse que o que ele pôde concluir após todos os anos de militância, que as coisas eram muito mais complexas do que eles imaginavam. Que o governo de Salvador Allende era, de fato, um governo de esquerda que tinha apoio e que colocava o Chile no cais para partir ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa e, como sabemos, Allende foi assassinado e o Chile foi vítima de uma das ditaduras mais sanguinárias do mundo, orquestrada por Pinochet.
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Não devo ter entendido direito, mas Gullar demorou 50 anos para perceber algo que eu, com 16 já sabia. Está tudo combinado, o sistema é corrompido e o idealismo só consegue sobreviver dentro dos livros.
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Com todo o respeito, Ferreira Gullar...

sábado, julho 17

Separações e sensações

Quem se separa pode perder muitas coisas. Umas pessoas perdem um par para dançar, um companheiro de conversas, um confidente, outras perdem um parceiro sexual, uma fachada para o mundo católico, e outras perdem o resultado eterno de uma escolha mal feita, ou seja, ganham.
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O fato é que você perde aquela pessoa. Perde de vista. E o que dói é perder o cheiro, perder a pose, perder as caras, perder os gestos, perder as brigas, perder as diferenças, perder a função de todas aquelas reações que tínhamos somente e só por causa dela.
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A sensação que dá é sempre a de: "O que vou fazer agora?". A impressão é de não saber viver sem aquela pessoa. Dizem muito que é "bola pra frente", mas dá um medo, porque não há mais para quem tocar, e certamente você levará carrinhos, sofrerá faltas, estará sujeito a todas essas coisas que só quem está com a bola nos pés sofre.
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Separar-se, no fundo, é isso. A bola de volta para os seus pés. Antes, não era você quem tocava sua vida, era um ser imaginário formado pela união dos dois. Se vou sair, vejo com minha mulher, se ela sai, vê comigo, se vamos comprar um carro, uma casa, enfim, se vamos qualquer coisa, nós vemos.
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Aí você se separa e todas essas frases mudam de construção. É você que vai sair, vê com você mesmo, e sai. E, se por algum acaso, ela sai, é problema dela, e ela sai para onde e com quem ela quiser. As despedidas têm isso, você dá adeus, mas fica ainda um tempo observando o outro ir embora. Pensa consigo para não ser chato em com quem ela anda transando, por onde ela anda saindo, e sente ciúmes.
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É claro que sente ciúmes. Aí você sempre encontra um cara ou uma mulher que posam de altamente descolados, modernos e resolvidos que dizem que esse lance de ciúmes da ex não existe. Na verdade, tratam-se todos esses de uns hipócritas. Não é entre um chopp e outro que se desencana de uma relação que foi verdadeira.
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Com o tempo, os caminhos se desencontram e você deixa de ver, pensar naquela pessoa. Aí você abre um espaço em sua cabeça para novas escolhas, novos hábitos, novas pessoas e novos lugares. Você não se sente o mesmo. Muda e muda porque precisa mudar. Passa a ir à praia, e entra na onda de cuidar mais de si. Um amigo meu, depois que se separou, passou a fazer cooper. Casou de novo, e parou.
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Não há como continuar vivendo a mesma vida. Sempre haverá a sensação de que algo está faltando. E está mesmo.
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Depois de muito tempo, você corre o risco de encontrar aquela pessoa novamente. Se você continuar solteiro, isso vai mexer com você. Vai saber que mudou e que tudo isso é passado, mas vai lembrar que a mudança toda foi para preencher, sem muito sucesso, a falta que aquela pessoa na sua frente faz. Caso os dois estejam solteiros, existe uma forte chance de irem para a cama. Depois que acordarem, provavelmente irão cada um para o seu lado. Porque essa sensação ainda está muito manchada pelos problemas que causaram a separação.
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Pode ser que você a encontre mais algumas vezes e vá para a cama mais algumas vezes. Mas como a engrenagem da mudança do recém-solteiro continua girando, você acaba encontrando uma pessoa que tem mais a ver com você e te leva a crer que vai dar certo, caso você tente se casar de novo. Se você ainda for imaturo, vai carregar um monte de vícios da relação passada e transformá-los em bizarras prevenções. Não vai tomar uma série de atitudes porque não davam certo no casamento anterior e isso não trará nenhum resultado satisfatório. Provavelmente, vai se separar enquanto está namorando.
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Ainda no girar da engrenagem, encontra uma outra pessoa. E, caso ainda seja imaturo, dessa vez você terá uma overdose de auto-estima, e tomará todas as atitudes que incomodavam as outras pessoas nos dois relacionamentos anteriores. Põe na cabeça que tem que ser você mesmo e que se dane o resto do mundo. Isso o tornará arrogante e provavelmente você vai se separar de novo.
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Caso você já esteja pronto, você será você mesmo, mas vai saber que não está mais sozinho. Vai se importar com os sentimentos daquela pessoa, e não com suas opiniões. Vai se propor a fazê-la feliz e vai fazer coisas que ela gosta. No entanto, não fará, sempre, o que não gosta para fazê-la se sentir bem. Vai se sentir mal, de vez em quando.
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Vai brigar com ela por coisas ridículas e vai amá-la por qualquer motivo também. Vai ouvir grosserias de manhã e vai dizer grosserias também. No entanto, vão se desculpar de tarde e dizer que se amam. Vão dizer que se amam muitíssimo mais do que vão dizer qualquer outra coisa negativa a respeito um do outro. Um sempre encontrará no outro um nenémzinho, uma coisinha linda da qual devemos estar cuidando. Os dois terão uma certeza comum, que é a do sucesso do relacionamento. A separação, no entanto, sempre será uma sombra, e você aprenderá a viver com isso. Viverá em termos literais o trecho de Vinícius de Moraes: "Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver a espera de viver ao lado teu por toda a minha vida".

quinta-feira, julho 15

Finalmente com internet!

Olá, povo. Depois da saga para restabelecer a conexão aqui em casa, estamos de volta, com atualizações diárias de textos formidáveis!
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Um abraço!

terça-feira, julho 13

A Repetência e a Consequência

Repetir de ano sempre foi um temor para mim. No ensino fundamental, nunca fui um ótimo aluno. Ficava sempre em duas ou três provas finais e minhas médias eram em torno de 6,0. Quando cheguei na oitava série do ginásio (não sei como se fala agora), quis ingressar no Colégio Naval, e meu pai me matriculou no Curso Martins, que era a referência para este concurso na época (1999).
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Quando cheguei lá, recebi um verdadeiro sacode africano. Entrei em contato com um universo escolar completamente diferente. Alunos mais adultos, mais comprometidos, e professores menos pedagogos e mais porradeiros. Os caras eram verdadeiros mestres. Meu professor de Química era médico (!!!), os de física já tinham publicado livros na área, enfim, e o fato é que a postura deles era diferente da dos professores do coleginho onde eu estudava.
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Literalmente, a porrada comia. Eram quilos de exercícios, três, às vezes quatro tempos de uma mesma matéria, uma Gramática pesada, geografia analítica...Era preciso forçar a mente para acompanhar o ritmo.
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Fora do curso, existia o universo dos alunos. Muito diferente dos meus coleguinhas do ensino fundamental, os assuntos eram sobre os livros bons que tinham sido indicados por outros caras que passaram no concurso do CN, soluções de questões impossíveis, e o mistério em torno do livro "Problemas Selecionados de Matemática", uma verdadeira obra do capeta.
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Não se tratava de uma orgia nerd, como muitos pensam. Eram jovens guerreiros correndo atrás de um sonho. Éramos militares desde o início. Nosso coordenador, João Gentile, que de gentile não tinha porra nenhuma, era um sargentão que comia a gente no esporro quase que diariamente. Não havia espaço para aquela lenga lenga de colégio da Tia Teteca. E o engraçado é que, o pior comentário a respeito de alguém, dentro do curso, não era algo do tipo: "Fulando é viado" ou "Sicrano é bandido". A morte para o aluno do Martins era ouvir: "Tu não quer porra nenhuma, hein, moleque". Imediatamente, ao ouvir aquilo, remetíamos à idéia de não realizar o sonho, o grande objetivo. Muitíssimo ironicamente, quem não estudava é que não era malandro. Os fodões, mais velhos, bonitões, bem articulados, que pegavam as garotinhas do colégio ADN, que ficava em frente, passavam a tarde estudando para caraleo e muitos hoje são oficiais da Marinha.
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Como eu disse, não era uma orgia nerd. Nerds ali, eram poucos. A grande maioria era de gente esforçada e descolada querendo alcançar um lugar no mundo. Eu respirei este ar durante dois anos e saí de lá com quatro aprovações em concursos da época. De lá, fui para o Colégio Militar do Rio de Janeiro, aprovado em 30o lugar num concurso disputado por 16 mil estudantes.
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De lá para cá, nunca mais deixei de passar direto. Estudar passou a ser algo fácil, que fluía. Saía bastante, namorava, bebia, tocava violão, fazia de tudo, e tirava notas boas. Não que eu nunca tivesse me afundado; lembro que tirei 3,2 em biologia no segundo ano. Mas o fato é que eu nunca mais dei trabalho para meus pais em relação a isso. Eles simplesmente pararam de me perguntar, me cobrar, me dar esporro, e isso foi muito bom.
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Hoje, sou casado com uma mulher que tem um filho de 11 anos. Ele me dá um certo trabalho. Tem uma dificuldade imensa em sentar o rabo e estudar. É o típico malandro que passa a semana inteira coçando o saco e se desespera no domingo, às 11 da noite, para fazer os deveres de casa. Essa semana está sendo só de provas. Parece que ficou numa recuperaçãozinha de meio de ano, algo que era novo para mim. Fico pensando: "Meu Deus, se ele repetir de ano, o que vai ser?", e me vejo na posição do meu pai, falando comigo antes da atmosfera Martins na minha vida. Será que a repetência é realmente a grande vilã no que diz respeito ao sucesso da educação dos nossos filhos?
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Aí pensei, tenho um amigo, André de Souza, que repetiu o primeiro ano lá no CMRJ. Foi barra fazer o último ano zoando horrores e vê-lo uma turma abaixo. Mas o interessante é que, depois disso, ele foi para o CPOR (Centro de Preparação de Oficiais Reservistas) e terminou o curso em primeiro lugar. Passou quatro anos no Exército fazendo um ótimo trabalho, junto, inclusive, com vários outros tenentes que passaram direto no CM e foram para a AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras), concurso para o qual o Souza nunca tinha passado. Enfim, naquele momento, ele já tinha recuperado o tempo perdido, muito mais que eu, que tinha passado direto em tudo. Bem, após os quatro anos, ele pagou um curso de pilotagem, caçou emprego com garra, casou, e hoje é piloto de Boeing e prestes a ser pai de uma linda garotinha (já vi na ultra 3D). Repetir de ano, no caso dele, não o impediu de chegar aonde queria e talvez até tenha o impulsionado a isso.
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Um outro exemplo é o meu primo, Thiago Lotfi, que reprovou a oitava série e depois cursou Geografia na UFRJ, trabalhou no Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e hoje é professor concursado também. Repetir de ano, também no caso dele, não impediu o Thiago em nada. Caso tivesse passado, ele me falou certa vez, teria feito exatamente a mesma coisa.
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Por fim, cito meu amigo Ricardo Napolitano, que também repetiu alguma série do ginásio e hoje é O CARA no caderno de esportes do jornal O Dia, além de ter sido repórter especial no jornal Lance!
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É claro que a maioria dos repetentes que conheço não deram para muita coisa. Não é menosprezar, mas é ver que galgaram na vida postos muito aquém de suas capacidades. Por outro lado, casos como os de Souza, Thiago e Ricardo não são uma raridade. O fato é que cada um tem seu tempo para a maturidade quanto às próprias obrigações. O Curso Martins cumpriu comigo o papel de me acordar para a vida, mostrar que há um mundo competitivo lá fora e que é necessário dar sempre o melhor de si, mas muitas e muitas pessoas não tiveram este auxílio.
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Se seu filho tem dificuldades para fazer algo chato e necessário por conta do assédio das coisas legais e banais, isso significa que ele é normal e você é um tapado idiota por não perceber. É claro que eles preferem brincar, coçar, conversar. O conceito de responsabilidade deve ser semeado pelos pais diáriamente, preferencialmente em pequenas doses, que não ficam chatas. Nos resta esperar o tempo em que estas sementes encontrem nos nossos filhos terreno fértil e germinem, fazendo nascer dos meninos e meninas, verdadeiros homens e mulheres.

Corrigindo um legado

Depois que eu casei, eu entendi porque meu pai reclamava tanto. Não era da minha mãe, era da luz acesa, da televisão ligada, da geladeira aberta, das horas no banho, da louça suja espalhada pela casa, das roupas espalhadas também. Ele estava certo.
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A história tinha tudo para terminar por aí, mas comigo, não terminou. Hoje, meu primo veio aqui em casa e estávamos na parte da frente de casa, sentados no chão e as luzes da cozinha e da sala estavam acesas, com a televisão ligada. Não desliguei nem falei, com meu tom básico de esporro-pai, para desligarem. Naquilo que, aparentemente, era matéria paga, enxerguei uma coisa diferente.
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Percebi que o ser humano não é uma máquina, não pode ser tão sistematizado assim. Existe uma necessidade de conversar ouvindo o sonzinho da TV e não agrada os olhos da gente, conversar sob a luz de uma única lâmpada na parte da frente da casa. Ali, estava havia sido construído um ambiente que agradava os presentes. De uma forma que eu acabava de conhecer, aquelas luzes e a televisão estavam sim sendo usadas. O foco, no entanto, não estava ali.
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Num certo momento, todos fomos para a cozinha. A TV e a luz da sala, então, deixaram de fazer parte do ambiente. Perguntei, sem tom de esporro-pai, mas de jovem marido (rs): "Alguém está vendo televisão?". Acho que com medo do esporro-pai, ninguém respondeu, e eu fui lá e desliguei.
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Meu pai nunca esteve errado em quase 30 anos reclamando. Existe uma explicação lógica para isso: era ele quem trabalhava e pagava aquilo tudo. O espaço era dele e, justo, tinha que ser como ele queria. Você gostaria que mandassem na sua casa? Que nela fizessem de tudo? Que lhe contrariassem? Claro que não. Isso, a gente engole na rua, no trabalho, onde é terra de todos. Mas acho que este fato representou um traço na evolução dos homens de geração para geração.
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À propósito, acho difícil parar de reclamar. Provavelmente, continuarei um chato por pelo menos mais 20 anos (não que eu vá morrer com 45, e não quero, MESMO!!!). Entretanto, menos chato, menos reclamão do que há 30 anos atrás. Um abraço!

É preciso observar

É preciso observar. Mais que tudo, é preciso observar. Fico pensando, a pior coisa que pode acontecer é cegar sem querer, colocar os antolhos da segurança. Tranquilidade é colocar a vida num piloto automático, tratá-la como um carrinho de supermercado num dia de semana à noite. Depois do trabalho, cansado, você vai se apoiando nele e colocando as mesmas coisas de que você precisa sempre. Os corredores parecem ser os mesmos, tanto é que você nunca sabe onde está o óleo, ou o arroz, apesar de ir, pelo menos duas vezes por mês no mesmo mercado e comprar as mesmas coisas, que ficam nas mesmas prateleiras, nos mesmos corredores.
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Simplesmente segue, colocando detergente, sabão em pó, algumas salsichas, ovo, nuggets, arroz, feijão, a carne da promoção ou uma bandeja de frango congelado, sempre com os olhos na altura das prateleiras. Não há nada mais no horizonte. Não há, aliás, horizonte. Risca as coisas da lista ou fura os itens com a chave do carro, segue para o caixa, onde há uma fila imensa, como sempre. Aí sim, temos um pequeno momento de glória. Junto com aquelas coisas que você nunca compra e são colocadas ali de modo que todos saibam disso, estão as revistas. Através das manchetes da Veja, da Bem-Estar, da Playboy e da Cláudia, vejo o mundo. O tratamento de Drica Moraes me lembra uma conversa no dia anterior com minha mulher e sei, que a conversa houve porque ela, semana passada, parou aqui também, e viu a mesma manchete. Estou sendo dominado e sei disso, penso.
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O dinheiro é mais ou menos contado, arredondado para cima. Pago, ponho na sacola ecológica e vou embora. Na volta para casa, vejo mais mundo. O trailer com pessoas bebendo, a jogatina comendo, o comércio fechando, os mesmos mendigos, com as mesmas roupas, pedindo. Os mesmos buracos na calçada, talvez até encontre as mesmas pessoas no caminho, mas sei que há mundo para se ver, sabe? Eu sei.
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Por isso é que eu digo que é preciso observar. É preciso ver, além de olhar. A visão estimula um pensamento. Talvez, este pensamento estimule uma atitude e talvez esta atitude mude uma realidade. É você deixando sua marca no mundo, que você olhou, viu, fez e aconteceu.