terça-feira, julho 13

A Repetência e a Consequência

Repetir de ano sempre foi um temor para mim. No ensino fundamental, nunca fui um ótimo aluno. Ficava sempre em duas ou três provas finais e minhas médias eram em torno de 6,0. Quando cheguei na oitava série do ginásio (não sei como se fala agora), quis ingressar no Colégio Naval, e meu pai me matriculou no Curso Martins, que era a referência para este concurso na época (1999).
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Quando cheguei lá, recebi um verdadeiro sacode africano. Entrei em contato com um universo escolar completamente diferente. Alunos mais adultos, mais comprometidos, e professores menos pedagogos e mais porradeiros. Os caras eram verdadeiros mestres. Meu professor de Química era médico (!!!), os de física já tinham publicado livros na área, enfim, e o fato é que a postura deles era diferente da dos professores do coleginho onde eu estudava.
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Literalmente, a porrada comia. Eram quilos de exercícios, três, às vezes quatro tempos de uma mesma matéria, uma Gramática pesada, geografia analítica...Era preciso forçar a mente para acompanhar o ritmo.
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Fora do curso, existia o universo dos alunos. Muito diferente dos meus coleguinhas do ensino fundamental, os assuntos eram sobre os livros bons que tinham sido indicados por outros caras que passaram no concurso do CN, soluções de questões impossíveis, e o mistério em torno do livro "Problemas Selecionados de Matemática", uma verdadeira obra do capeta.
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Não se tratava de uma orgia nerd, como muitos pensam. Eram jovens guerreiros correndo atrás de um sonho. Éramos militares desde o início. Nosso coordenador, João Gentile, que de gentile não tinha porra nenhuma, era um sargentão que comia a gente no esporro quase que diariamente. Não havia espaço para aquela lenga lenga de colégio da Tia Teteca. E o engraçado é que, o pior comentário a respeito de alguém, dentro do curso, não era algo do tipo: "Fulando é viado" ou "Sicrano é bandido". A morte para o aluno do Martins era ouvir: "Tu não quer porra nenhuma, hein, moleque". Imediatamente, ao ouvir aquilo, remetíamos à idéia de não realizar o sonho, o grande objetivo. Muitíssimo ironicamente, quem não estudava é que não era malandro. Os fodões, mais velhos, bonitões, bem articulados, que pegavam as garotinhas do colégio ADN, que ficava em frente, passavam a tarde estudando para caraleo e muitos hoje são oficiais da Marinha.
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Como eu disse, não era uma orgia nerd. Nerds ali, eram poucos. A grande maioria era de gente esforçada e descolada querendo alcançar um lugar no mundo. Eu respirei este ar durante dois anos e saí de lá com quatro aprovações em concursos da época. De lá, fui para o Colégio Militar do Rio de Janeiro, aprovado em 30o lugar num concurso disputado por 16 mil estudantes.
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De lá para cá, nunca mais deixei de passar direto. Estudar passou a ser algo fácil, que fluía. Saía bastante, namorava, bebia, tocava violão, fazia de tudo, e tirava notas boas. Não que eu nunca tivesse me afundado; lembro que tirei 3,2 em biologia no segundo ano. Mas o fato é que eu nunca mais dei trabalho para meus pais em relação a isso. Eles simplesmente pararam de me perguntar, me cobrar, me dar esporro, e isso foi muito bom.
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Hoje, sou casado com uma mulher que tem um filho de 11 anos. Ele me dá um certo trabalho. Tem uma dificuldade imensa em sentar o rabo e estudar. É o típico malandro que passa a semana inteira coçando o saco e se desespera no domingo, às 11 da noite, para fazer os deveres de casa. Essa semana está sendo só de provas. Parece que ficou numa recuperaçãozinha de meio de ano, algo que era novo para mim. Fico pensando: "Meu Deus, se ele repetir de ano, o que vai ser?", e me vejo na posição do meu pai, falando comigo antes da atmosfera Martins na minha vida. Será que a repetência é realmente a grande vilã no que diz respeito ao sucesso da educação dos nossos filhos?
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Aí pensei, tenho um amigo, André de Souza, que repetiu o primeiro ano lá no CMRJ. Foi barra fazer o último ano zoando horrores e vê-lo uma turma abaixo. Mas o interessante é que, depois disso, ele foi para o CPOR (Centro de Preparação de Oficiais Reservistas) e terminou o curso em primeiro lugar. Passou quatro anos no Exército fazendo um ótimo trabalho, junto, inclusive, com vários outros tenentes que passaram direto no CM e foram para a AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras), concurso para o qual o Souza nunca tinha passado. Enfim, naquele momento, ele já tinha recuperado o tempo perdido, muito mais que eu, que tinha passado direto em tudo. Bem, após os quatro anos, ele pagou um curso de pilotagem, caçou emprego com garra, casou, e hoje é piloto de Boeing e prestes a ser pai de uma linda garotinha (já vi na ultra 3D). Repetir de ano, no caso dele, não o impediu de chegar aonde queria e talvez até tenha o impulsionado a isso.
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Um outro exemplo é o meu primo, Thiago Lotfi, que reprovou a oitava série e depois cursou Geografia na UFRJ, trabalhou no Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e hoje é professor concursado também. Repetir de ano, também no caso dele, não impediu o Thiago em nada. Caso tivesse passado, ele me falou certa vez, teria feito exatamente a mesma coisa.
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Por fim, cito meu amigo Ricardo Napolitano, que também repetiu alguma série do ginásio e hoje é O CARA no caderno de esportes do jornal O Dia, além de ter sido repórter especial no jornal Lance!
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É claro que a maioria dos repetentes que conheço não deram para muita coisa. Não é menosprezar, mas é ver que galgaram na vida postos muito aquém de suas capacidades. Por outro lado, casos como os de Souza, Thiago e Ricardo não são uma raridade. O fato é que cada um tem seu tempo para a maturidade quanto às próprias obrigações. O Curso Martins cumpriu comigo o papel de me acordar para a vida, mostrar que há um mundo competitivo lá fora e que é necessário dar sempre o melhor de si, mas muitas e muitas pessoas não tiveram este auxílio.
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Se seu filho tem dificuldades para fazer algo chato e necessário por conta do assédio das coisas legais e banais, isso significa que ele é normal e você é um tapado idiota por não perceber. É claro que eles preferem brincar, coçar, conversar. O conceito de responsabilidade deve ser semeado pelos pais diáriamente, preferencialmente em pequenas doses, que não ficam chatas. Nos resta esperar o tempo em que estas sementes encontrem nos nossos filhos terreno fértil e germinem, fazendo nascer dos meninos e meninas, verdadeiros homens e mulheres.

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