segunda-feira, outubro 29

E ainda querem matar o Gerúndio

No tempo que durou aquele passo posterior à idéia foi que pensei sobre o Gerúndio. Coitado, querem matar o Gerúndio. Acho um pecado acharem demodê, mas tudo bem. O problema é que o filho daquele Português está sendo caçado feito bruxa em tempos de inquisição - ou melhor - feito viado e pobre na Avenida das Américas.
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Cada forma dessa língua tem o seu porquê. Mas ele, o Gerúndio, é especial. Sem ele a vida pára. Sem ele, há o presente e há o futuro, mas não há ponte que os ligue. O Gerúndio é maneiro, rapaz.
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Como sempre, a pseudo-intelectualidade encravando suas farpas nas epidermes dos que dormem quietos com suas criatividades. Mas hão de lembrar do Gerúndio, malditos hipócritas, na hora em que a dor lhes revirar as tripas! Irão dizer:
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- Estou sofrendo.
- Estou seguindo.
- Estou tentando.
- Estou pedindo.
- Estou melhorando.
- Não estou aguentando.
- Estou morrendo!!!
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Pois que morra! Antes tu do que ele.

quarta-feira, outubro 17

Emergente

Emergente. Emerge. Iminente transbordamento. Iminente, apenas.
Emergência. Emerge. Urge. Coisa de emergente. Coisa que urge.
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O emergente é, sobretudo, pelo que penso, algo que ocupa, aos trancos e barrancos uma posição superior, mas que em sua essência e de acordo com as leis da física, deveria estar no fundo.
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Emergente é uma forma pejorativa e, em alguns casos até invejosa, de denominar aqueles que acabaram de conquistar seus lugares ao Sol. Um derivativo hostil do brincalhão "ué, não fala mais com os pobres?".
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Num comentário, um anônimo me chamou assim. Cocei a sobrancelha e ri, pensando que o texto dizia exatamente o contrário. Mas você foi sincero, Anônimo. Você disse o que pensou, e isso é louvável. O problema, Anônimo, aqui na Barra, é justamente esse. As pessoas se escondem primeiro dentro de suas casas, depois, dentro de seus corpos. E até que atinjam esse nível de "emergência", haverá quem não goste do gosto do que tem, só porque tem.
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Sem ironia da minha parte, mas da parte da própria realidade que vivemos.

terça-feira, outubro 16

Os problemas dele(s)

À princípio, sinto-me mais à vontade dentro da minha mente. Lá tenho minha cadeira de balanço e meu cachimbo com fumo de cereja e chocolate. Assim nino agradavelmente meus cento e trinta e quatro anos de idade. É tudo escuro, mas as vistas cansadas já não me permitem tanto vigor. Tudo. As falhas deste novo cenário, bem como suas vantagens constam como elementos da mais pura e comum naturalidade, e nada me aflige.
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Ao andar pela cidade é que sinto que, de uma maneira besta, estou bem mais perto da morte do que do lado de dentro. Aqui fora, tenho vinte e dois, e vivo estressado com as coisas mais ridículas. Ando com aquelas calças jeans surradas e com o cós roçando a cueca.
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Estou sempre andando, sabe. E sabe lá pra que bosta de lugar eu vou. Não importa se esse lugar é a Amazônia ou o quintal da minha casa. Eu estou sempre com fé em Deus e pé na tábua em busca do sucesso na profissão de jornalista. Ai, comer rosquinhas com William Bonner, doses desenfreadas de uísque com Arnaldo Jabor, ai, ai...
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O que eu sei é que eu fico vendo este bostinha andar pra lá e pra cá e não sei se me ajeito novamente na cadeira, ou se troco o cachimbo do canto da boca. Moleque tapado. Poucas coisas a velhice deixou para me irritar. Uma delas é esse rapaz.
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O problema dele é que ele não enxerga o peso de suas próprias experiências.
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Será que um dia morarei nesta tranquilidade? Vivo nesta busca, sempre correndo, será? Esse velho me perturba o tempo todo, o tempo todo, o tempo todo...Esse velho me incomoda. Fica lá sentado, com aquele cachimbo dele, se achando o tal. Mas lá dentro é mole, com as cortinas fechadas, o clima estável debaixo de suas cobertas, curtindo o balanço daquela cadeira.
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Talvez nem saiba o que eu passo aqui fora. Pra quem ainda não teve tempo de mostrar o seu valor, a vida é dura...E como é. No cansaço, costumo ouvi-lo, mas apenas quando não estou com raiva. Na verdade, não costumo ouvi-lo nunca. Ele sempre tem uma solução pacífica pras coisas, muito ao contrário da vida que eu levo. Está fora, fora da realidade.
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O problema dele é que ele não enxerga o peso das experiências no interior da nossa particularidade.