terça-feira, setembro 22

Pequeno Exercício Lúdico - Prosa

Sustentar minhas concepções é doloroso, muitas vezes. Estive sempre ao lado dos mais fracos, dos indefesos, dos perdidos de alma. Em cada conversa, cada chopp, cada cigarro, dava-lhes sempre uma palavra de consolo e me colocava de exemplo, muitas vezes. Minha vida me fez assim. As injustiças pelas quais passei, os impropérios que ouvi, as acusações infundadas, tudo isso me deu raiva e ímpeto. Em nenhuma fase da vida, fui nitidamente um vencedor. De certa forma, entoei esta máxima ao longo dos anos e sinto que ela soa hoje como uma verdade. Esta verdade tem me consumido em cada projeto que toco, em cada idéia que tenho.
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Mesmo assim, não aceito como alternativa mudar de lado. Passar a caçoar dos mais fracos, aproveitar-me de minhas qualidades dadas por Deus e por sorte para o escárnio sombrio dos desafortunados. Eu queria que todos fôssemos iguais perante à vida, mas só somos iguais perante a Deus. E Ele, Deus, nunca está de corpo e alma conosco, nos mostrando que é soberano. Esta invisibilidade torna tudo mais difícil.
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Não consigo enxergar justiça nesta balança que pesa sempre para o lado dos falsos, dos egoístas, dos materialistas. Eles estão sempre a sorrir, pois têm tudo nas mãos: oportunidades, melhores condições, sorrisos e palavras gentis, enquanto que os fracos, feios, gordos, burros, pobres, só têm para segurar a fé que usam para continuarem vivos.
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Por isso, considero minha jornada um tanto difícil. Preciso provar a toda essa gente que é possível mudar. Com a música e a literatura, conquistei multidões. Com auto-estima, carreguei muitas outras multidões também. Em muitos momentos me sinto satisfeito por ter dado a volta por cima. Mas em outros, me rasga a falta de credibilidade e o sentimento de impotência. Não há o que eu faça, sempre serei o garotinho gordo e feio sendo sacaneado pelos populares. Passarei minha vida a olhar as garotas da minha sala ficando com os belos vagabundos e humilhando a nós, feios e trabalhadores.
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Minha revolta também é ver que fazemos tudo o que existe de bom neste mundo, e quem leva o crédito são aqueles que são bonitinhos e articulados, mas nada fizeram. Minha revolta também é ver que só somos amados quando alguma mulher desiste dos cafajestes. Em outras palavras, só pegamos uma vaga quando um deles larga, como se não prestasse mais. Minha revolta é ver que o que produzimos é novo, intacto, gracioso e o que recebemos em troca é velho, mexido e feio.
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Ainda por cima, não temos sequer o direito de dar esse grito ao mundo. Como todos os feios-fracos, somos honestos, bons e religiosos. Acreditamos em Deus e devemos sempre agradecer a Ele por, pelo menos, termos o que comer e sermos amados por alguém que nunca nos amaria se não tivesse enjoado dos cafajestes comedores.
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Entretanto, de acordo com uma das premissas de Nosso Senhor, é preciso se conformar. Enxergar as coisas simples da vida. E nisso, persisto, para, quem sabe um dia, esquecer da vida que salta aos meus olhos todos os dias. Sou triste por isso e, por isso mesmo, morro de medo de ir para o inferno.
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Ajude-me Deus. Por favor.

segunda-feira, setembro 21

Pequeno Exercício Lúdico

Hoje, fiz um panorama de toda a minha vida. Escolha por escolha, caminho por caminho, erro por erro. Lembrei das merdas que fiz, do dinheiro que deixei de ganhar, das oportunidades que perdi. Lembrei que cada escolha me levaria a uma posição completamente diferente da que estou agora.
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E confesso, com certa vergonha, que estou satisfeito.

Filho de Músico

Meu filho é filho de músico
Meu filho não sabe o que é receber no dia 5
Ele sabe o que é receber no dia 5, 6 e 7, depois no 12, 13 e 14
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Meu filho não sabe o que é ir ao Maracanã com o pai num domingo
Ele sabe o que é ver o pai sair, mas não sabe o que é ver o pai chegar
Meu filho não raciocina com 3 mil, mas raciocina com 300
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Meu filho não sabe o que é ter certeza
Meu filho não sabe o que é tranquilidade
Meu filho não sabe o que é trabalhar
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Meu filho não entende porque minha conta no banco é uma latinha
Meu filho não entende porque eu não saio às 7, engravatado, como os pais dos amiguinhos dele
Meu filho não entende porque eu posso acordar ao meio-dia numa segunda-feira, e eles não
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Meu filho não entende porque todo mundo fica sem dinheiro no fim do mês e eu não
Meu filho não entende porque, no inverno, todo mundo tem dinheiro e eu não
Meu filho não sabe o que é ir todos os dias ao mesmo lugar e voltar todos os dias no mesmo horário
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Meu filho acha perfeitamente normal trabalhar na barra, em Sulacap e no Leblon
Aí você pode pensar que meu filho é meio estranho
Mas toda vez que ele me vê tocar, ele sabe que, de alguma forma, somos felizes assim
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Toda vez que ele me vê tocar, ele sabe que, a questão é muito maior do que ter um emprego de verdade
E, o mais importante, toda vez que ele me vê tocar, ele lembra de tudo o que ele perde por ter um pai músico – e vai às forras.

sábado, setembro 12

Monobloco (totalmente fictício!!!)

Só resta agora a enorme lacuna da decepção. Desço as escadas com o resto do estilo de quem se gosta e acendo um cigarro novo, dum maço novo, dum tempo que esperava um outro dia novamente igual. Bato o portão e entendo porque não faço alarde e a música de Chico repetindo e repetindo na minha cabeça. A ficha não caiu. Estou que só estou nervos. Entro no carro, enfio a chave, viro, ligo, manobro e vou embora, sempre com a forte sensação de que está tudo errado. Saio e não tenho ouvidos para palavras de consolo. Penso num som, num cigarro e num chopp num lugar onde o pensamento nela não exista. E o sofrimento bobo do Tim Maia nesta canção..."Cara besta foi o Tim", penso, "sofreu demais". A razão que obtive no conflito é o que me conforta. Saber que ela perdeu, que ela vacilou, que ela mentiu me amar por tantos anos e agora, justo agora, vem com um papo de que conheceu alguém. E o pior, legitima o affair com o argumento clichê do desgaste. Um desgaste que nunca sequer espreitou nossa janela. Homens com auto-estima baixa podem ter todos os defeitos, menos esse: o de esquecer da mulher que ama. Sempre fiz tudo por ela, inclusive dar a ela a chance de dizer quando não estava bom. Enfim, não há justificativa. Perguntei sempre que pude e ela, em todas as vezes que pôde, hesitou em responder. A solidão é minha, eu sei...e o sofrimento também...Mas o azar é dela.