quinta-feira, agosto 16

Saudades de Madureira - parte II

Esta já é a segunda semana em que resumo metade do meu dia a vagar e pensar. Vez por outra encontro um conhecido, uma conhecida, adoço um pouco esta amargura.
.
Às vezes compro cigarros. Fumo um pouco e tal. Logo atiro o maço lixeira adentro. Não adianta. Nada vai adiantar.
.
Não tenho muito ânimo para ter fé agora. Aquela fé de que logo tudo isso vai passar e eu vou estar bem. É tudo tão diferente...
.
E assim eu vou, dando seqüência neste samba horrível, desafinado e irritante. As saudades ecoam e sussurram por todos os lados. Namorada, família, amigos, vida! A minha vida escapuliu nesta mudança.
.
Não tenho tempo para nada. Como disse, metade do meu dia eu passo aqui, vagando, obrigatoriamente. Se ao menos eu pudesse ir para casa, mas não. Cinco faltas são permitidas, e as reservo para quando estou surtando.
.
Deu uma vontade de rir agora. Em doses absurdas, o sofrimento fica engraçado. Fica mesmo. Um lampejo que me empurra, como se me reanimasse numa mesa de cirurgia, num impulso sôfrego, cansado e último, para a concepção de que o dia irá amanhecer de novo, e o calor irá aquecer o meu rosto e, quando minhas pupilas se acostumassem à claridade, enxergaria o rosto de Soraia. Aquelas mãos, aquele carinho, aquele perfume me envolvendo e me arrancando um choro soluçado.
.
Qual uma lavagem, expurgando as vibrações negativas, enlaçando e trazendo na marra a sexta-feira novamente. Trazendo a alegria, a fé em Deus, a bondade.
.
Delírios de solidão.
.
Depois da lavagem, fica mais fácil compreender que aquela vida escapuliu do caminhão e ficou pela rua, por ali, e não voltarei a vê-la. E, como fazemos sempre, compramos outra. Meu pensamento paira num inconformismo sóbrio e sereno: "mas logo agora?".

Saudades de Madureira - parte I

Vou entoando essa cantiga doentia. Passo após passo, martelando no peito a dor, empurrando pra dentro com um mate, adoçando com sete balas de canela. Já sei que sempre que sinto esse frio no estômago, esse vácuo no interior, onde moram minhas certezas, é a dor da falta, do esquecimento, do desprezo.
.
A minha vontade é sair correndo, entrar no banheiro desta faculdade e chorar, gritar. Sinto tantas saudades...
.
Saudades de Madureira. Do cheiro de macumba, da alegria das pessoas, da simplicidade inevitável e da ridícula aparência dos que se negam a isso. Saudades da cerveja em garrafa, do sufoco diário compartilhado, compartilhadíssimo. Do poder e do conhecimento que eu tinha ali dentro.
.
Hoje, sou um medalhão da história daquele campus. Um veterano esquecido, que disse muitas coisas engraçadas e que, para o exemplo dos calouros, trabalhou de graça e hoje ganha mais que muita gente formada. Sou passado.
.
Para variar, o tempo no laboratório está acabando, a professora resolveu começar a aula em dez minutos e não é a minha turma.
.
Continuo com as mesmas vestes de Madureira, com o mesmo espírito de Madureira. Mas agora estou na Barra da Tijuca. Sou um peixe lindo e crescido, pronto para nadar e alcançar corais e paisagens. Mas estou fora d´água. Para sempre.