quinta-feira, junho 10

A primeira vez da razão

Prometi a mim mesmo que iria dormir cedo hoje. E, mais uma vez, caí na minha própria lábia. Preciso acordar às 10 da manhã, já são vinte para as cinco e estou aqui blogando. Preciso estudar para um concurso público. Viver de música é um tanto complicado.
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Não tenho muita noção do quanto ganho. Quando chove, não trabalho. Para se divertir, basta um bar, mas para viver disso, é preciso uns três bares e uns dois restaurantes. Existem épocas boas, onde o couro da gente come. Durante um tempo, trabalhei em dois bares aos sábados. Um, na Barra da Tijuca, de uma às cinco, outro, em Vila Valqueire, das nove à uma da manhã. Só nesse dia, eu tirava cerca de 300 pratas, o que rende num mês, se tudo der certo, 1.200.
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Aí eu penso: Caraca, quem é que ganha 1.200 pratas para trabalhar uma vez na semana? Sem contar os outros bares que compõem minha agenda nos outros dias. É uma sensação gostosa de que você está se divertindo e o dinheiro está entrando.
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O porém é que, neste mês, tem sempre um dia em que chove, ou o movimento está fraco, ou tem jogo da seleção, ou é decisão da Libertadores, Copa do Brasil, sei lá, ou acontece algum problema que me impossibilitava de ir trabalhar. Recentemente, perdi um amigo que era como um irmão, e a missa de sétimo dia dele foi num sábado, começando à tarde e terminando à noite. Não fui trabalhar, óbvio. Afinal, como eu poderia cantar e rir, se eu só podia lamentar e chorar?
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Aí o que eram 1.200 viram 600, o que era 2.800, viram 1.400 e todas as contas que você fez com fé de que iria arrebentar uma grana chegam, com a mesma fé, na caixinha do correio. Aí você entra em crise, acha que está vivendo uma mentira que seu dinheiro, na real, não pode pagar.
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Aí na semana seguinte, o dono de uma loja em Ipanema faz um coquetel e te contrata por uma bagatela para cantar em plena General Osório. No dia seguinte, o dirigente de um clube de futebol te contrata por outra bagatela para cantar na festa de aniversário da esposa dele, e no dia seguinte, aquele cara que você sempre coloca no seu lugar quando pega algum evento free-lance desses te liga arriado de febre pedindo para você cobrir um show num outro bar.
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Você se acaba de cantar, arregaça no spray de própolis, fatura uns 1000 reais numa semana e ri novamente. Aí você entra em êxtase, acha que está vivendo uma verdade que seu dinheiro, na real, pode pagar.
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Essa sensação dura até surgirem gastos imprevistos, como o veterinário do Labradorzinho, o roteador para o computador do enteado e a troca de óleo do carro. Aí você já não entra em crise, mas depara com o destino dizendo: "te avisei".
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E não é só você que anda igual viciado nesta montanha russa. Sua esposa, seus filhos e seus pais também. E eles, que não têm nada a ver com isso, nem sentem o prazer da profissão escolhida, sofrem muito mais. Pelo sofrimento deles, você sofre em dobro.
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Acho que não preciso esperar que a montanha russa suba e desça de novo. Algo fixo parece ser muito bom e pela primeira vez se revela mais importante do que, simplesmente, viver daquilo que gosto. Aí você olha para a multidão contagiada e cega, muitas vezes, por esse vírus chamado concursos públicos.
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Então eu penso: É isso? Foi para isso então que eu vim para cá? Rodei trocentos bairros cantando para, no final, ver que meu futuro é numa carteira de cursinho na Presidente Wilson? Sei lá, o que sei é que eu acho que preciso disso para poder viver em paz. Fico pensando: Do que eu tenho tanto medo, se é só sentar o rabo, estudar e passar? De me tornar um infeliz, talvez. Mas a infelicidade já bate a minha porta de vez em quando mesmo fazendo o que gosto. Estaria eu apenas trocando de infortúnio?
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Fico pensando numa vida tranquila. Um salário fixo, as contas pagas em dia, um fim de semana livre para sair, ou viajar, férias para tirar, tempo para blogar, compor. E também penso numa vida desastrosa, com um blog feito por um cara já sem mão para a boa escrita, músicas que já não têm mais o auxílio do crescimento exponencial no manejo do violão, e uma cara que já não é mais vista pelo público, pelos outros músicos e que é desconhecida de qualquer sucesso em potencial.
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O que fazer?
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Enfim, preciso fazer alguma coisa. O mais sensato é concursar, não é mesmo? E depois, prefiro a luta de continuar a fazer o que gosto através de projetos, talvez cursos e outras iniciativas à luta diária entre sobreviver ou não. O fato é que eu nunca analisei as coisas com a razão e esta primeira vez meio que me assustou. Bem, vou continuar pensando na vida tranquila...

Um comentário:

Unknown disse...

É, meu caro!!! Essas são as responsabilidades batendo na porta de um marido, pai, músico, jornalista, cidadão...
Faz parte do amadurecimento!!!
Pensa no que é melhor pra vc, mas também para sua esposa, o enteado, pai, mãe...
Todos querem te ver feliz...Isso eu tenho certeza!!! Só disso!!
Feliz, sempre!!!