domingo, fevereiro 1

Enfim, o fim.

A mochila dos anos me marcava os ombros. Eu andava em direção ao passado. Ruas retas, poeira batida. O caminho para o passado estava bem tranquilo. A impressão era de que não me estavam sendo reservadas grandes surpresas. As de sempre, apenas.
.
Fui chegando, encontrando, abraçando e beijando. Passado bom. Lembranças de amigos, lembranças que eu nem sabia que tinha. E vi fotos que eu não sabia que tinha tirado, ou em que tivesse aparecido. O passado foi se desdobrando para mim como se fosse um tapete, uma caixa frouxa, um caleidoscópio.
.
Mas eu me sentia preparado, embora não houvesse razão para isso. O peso dos anos, das idas e vindas dessa vida. A poeira de tantos lugares acumulada em meus sapatos, a sujeira crônica dos lugares que toquei e o sopro do vento em meus ouvidos. Aqueles dez anos eram como uma medalha no bolso da frente da camisa. Um quinhão da vida que eu havia arrancado e que estava em mim. Pessoal, intransferível.
.
Tudo isso me fez forte e, principalmente, seguro. Foi quando encontrei ela. O peso dos anos também lhe era aparente. A caneca de cerveja na mão, os papos, o andar, acho que isso não fazia dela a mesma de antes. Mas os olhos, as sobrancelhas, as feições eram exatamente as mesmas. O rosto pelo qual meu coração cambalhotou tantas vezes estava lá, embora todo o resto não estivesse tanto.
.
Reconstruí a mulher na mente, complementando o que eu agora admirava. Meus órgãos comunicavam uma coisa estranha, e eu sabia que era por causa dela. Tudo em mim era outro. Eu estava me apaixonando de novo, ou estava voltando a ser o adolescente que, naquele tempo de adolescente, havia se apaixonado?
.
Foi quando peguei sua mão e deixei que o adolescente falasse outra vez.
.
- Não consegui ficar longe de você.
.
- Como amigo, né? Respondeu o peso dos anos dela.
.
Foi quando cristalizei, meio frustrado. Ela me abraçou de novo e eu senti como mil facas me atravessassem, embora soubesse com a certeza do Sol que nasce todas as manhãs que aquela seria a resposta que a realidade me daria. Pensei mil coisas num milésimo de segundo. Parei.
.
Olhava para o nada enquanto era atravessado pelas facas. Ela me deu um beijo no rosto, apertou minhas bochechas de um jeito que só as ex-mulheres fazem. Senti que o fim ali havia sido selado.
.
E eu segui em frente, mas fiquei como esse texto.
.
Sem final.

Nenhum comentário: